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Epidemiologia de Doenças de Plantas: Aspectos Temporais

Progresso das Doenças

As doenças de plantas usualmente começam em um nível baixo – um pequeno número de plantas e uma pequena quantidade de tecido afetado – tornando-se preocupante apenas quando sua incidência e severidade aumentam com o tempo. Quando vemos exemplos de epidemias de doenças de plantas nas publicações, nota-se não apenas que a incidência ou severidade começam próximas de zero e aumentam dramaticamente, mas também observam-se distintos padrões de desenvolvimento ao longo do tempo. Por exemplo, o progresso da requeima de Phytophthora em plântulas de pimenta (míldio da malagueta ou piri-piri, pt), (Phytophthora capsici) e da podridão de sementes do milho (Fusarium moniliforme, atualmente F. verticilloides), é aproximadamente linear (com algumas pequenas variações que podem ser consideradas como desvios aleatórios).

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Graph, Phytophthora blight of pepper seedlings
  Requeima (míldio da malagueta, pt) de Phytophthora em plântulas de pimenta

Graph, Fusarium kernel rot of maize
Podridão de sementes do milho


Por outro lado, para a ferrugem do feijoeiro (Uromyces phaseoli) e a cercosporiose do milho (Cercospora zeae-maydis), há uma marcante curva ascendente. Ou seja, a doença aumenta a taxas crescentes, em uma curva que chamamos exponencial.

Graph, Bean rust
Ferrugem do feijoeiro

Graph, Grey leafspot of maize
Cercosporiose do milho

Obviamente que as doenças de plantas não continuam a progredir indefinidamente até o infinito. Então, à medida em que o nível de doença aproxima-se de 100% a curva de progresso gradualmente forma um platô. Por exemplo, em epidemias causadas por Sclerotium rolfsii em feijões or por Phytophthora nicotianae em fumo (tabaco, pt), o progresso da doença inicia-se de modo aparentemente linear mas desacelera ao aproximar-se do máximo.

Graph, Sclerotium rolfsii on beans
Sclerotium rolfsiiem feijoeiros

Graph, Black shank on tobacco
Canela preta em fumo

Do mesmo modo, as curvas de progresso de Puccinia graminis subsp. graminicola em azevém e de Pyrenophora teres f. sp. teres em cevada parecem exponenciais no início. Com o passar do tempo, com a incidência e severidade aproximando-se de 100%,  a taxa de progresso gradualmente chega a zero, dando a ambas curvas um formato tipo sigmóide (em forma de “S”).

Graph, Puccinia graminis on ryegrass
Ferrugem-do-colmo em azevém Puccinia graminis em azevém

Graph, Net blotch on barley
Mancha reticular da cevada

É certo que nem todos os exemplos de progresso de doenças podem ser categorizados bem assim. No entanto, em geral as epidemias de doenças de plantas tendem a ser lineares ou exponenciais nos seus estágios iniciais e também tendem a nivelar-se quando aproximam-se de algum limite.

O impacto da doença e as perdas que ela causa são uma função de seu progresso. Para reduzir esse efeito não é preciso eliminar a doença; precisamos apenas manter seu desenvolvimento abaixo de um nível aceitável. Isso significa que o progresso da doença e os fatores que influenciam tal progresso devem ser entendidos em termos quantitativos. Temos que saber que tipos de doenças conduzem a uma evolução linear e que fatores afetam a inclinação da curva (a taxa de progresso da doença). Da mesma forma, temos que saber que tipos de doenças tendem a produzir curvas exponenciais e como podemos reduzir tanto o nível inicial da doença quanto a taxa de desenvolvimento de epidemia. Finalmente, temos que saber porque às vezes as epidemias nivelam-se e o que impõe limites ao seu desenvolvimento.


A Natureza Cíclica das Doenças de Plantas

Infection Cycle

Epidemias de doenças de plantas são fenômenos cíclicos, isto é, elas consistem em ciclos repetidos de desenvolvimento do patógeno em relação ao hospedeiro e meio ambiente. O inóculo - que pode consistir de esporos de fungos, células bacterianas, nematóides, vírus dentro de um pulgão, ou qualquer outro propágulo de patógenos – entra e se estabelece nos tecidos do hospedeiro por meio do processo de infecção. O patógeno desenvolve-se dentro do hospedeiro e, eventualmente, começa a produzir inóculo novo, o qual, por sua vez, pode ser disperso para novos sítios susceptíveis e dar início a novas infecções. Os agentes patogênicos que produzem apenas um ciclo de desenvolvimento (um ciclo de infecção) por ciclo de colheita são chamados monocíclicos, enquanto que agentes patogênicos que produzem mais do que um ciclo de infecção por ciclo de colheita são chamados policíclicos. Em climas temperados geralmente existe apenas um ciclo da cultura por ano, de modo que os termos "monocíclico" e "policíclico" baseiam-se no número de ciclos por ano. Em climas tropicais ou subtropicais, no entanto, pode haver mais do que um ciclo de colheita por ano, e é importante lembrar que os termos "monocíclico" e "policíclico" baseiam-se em um único ciclo cultural. Esses mesmos termos são usados ​​para descrever as epidemias, bem como os patógenos e, por isso, muitas vezes fala-se de uma "epidemia monocíclica" ou uma "epidemia policíclica".
Para algumas doenças, é importante considerar uma epidemia durante um período de muitas estações de crescimento. Isto é particularmente verdadeiro para as plantas perenes (forragens, pastos, gramados, pomares, florestas, etc) ou para culturas anuais que são cultivadas em monocultura ano após ano. Nessas situações, o inóculo produzido em uma estação de crescimento é transferido para a próxima, e pode realmente haver uma aumento de inóculo durante um período de anos. Nos trópicos pode não haver intervalos claros entre estações de cultivo tais como encontramos nas zonas temperadas, e as epidemias podem ser praticamente contínuas ao longo de muitos anos em culturas como banana, café e seringueira. Referimo-nos a essas epidemias como epidemias poliéticas, independentemente do facto de o agente patogénico ser monocíclico ou policíclico dentro de cada estação.


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A grafiose ou doença holandesa do ulmeiro é um exemplo d​e patógeno monocíclico gerando uma epidemia poliética. Note-se que, enquanto existe apenas um ciclo de infecção por ano e o progresso da doença em cada ano é aproximadamente linear, a incidência de árvores infectadas aumenta a uma taxa crescente, de ano para ano.

Graph, Dutch elm disease

O oídio da macieira é um exemplo de uma epidemia poliética causada por um patógeno policíclico. Note-se como a incidência de infecção no início de cada ano tende a aumentar exponencialmente.

Graph, Apple powdery mildew

A intensidade do mal de Sigatoka da bananeira diminue um pouco durante a estação seca, mas fora isso produz ciclos de infecção repetidos mais ou menos continuamente. O hospedeiro, neste caso, é constituído por uma população de plantas de diferentes idades de desenvolvimento de forma contínua durante um longo período de tempo.

Graph, Black Sigatoka on banana

Relacionando o Progresso da Doença com os Ciclos da Doença

Se analisarmos os ciclos de doença das epidemias para as quais temos representado o progresso, vemos que as epidemias que progridem aproximadamente linearmente ou são lineares no início tendem a ser epidemias monocíclicas. Por outro lado, as doenças que aumentam a uma taxa crescente durante a parte inicial da epidemia tendem a ser epidemias policíclicas. (Veja Progresso da Doença.)

Epidemias Monocíclicas

Em geral existem três tipos de doenças de plantas que tendem a produzir apenas um ciclo de infecção por ciclo do hospedeiro (1) as doenças pós-colheita, (2) as doenças causadas por patógenos oriundos do solo, e (3) ferrugens sem urediniósporos.

Brown rot
Podridão parda do pêssego


Doenças pós-colheita

Nem todas as doenças pós-colheita produzem epidemias monocíclicas. Porém, em muitos casos, as infecções que resultam em podridões ou ocorreram antes da colheita ou ocorrem durante a colheita e manuseio pós-colheita antes que o produto vá para o armazenamento. A podridão progride durante o armazenamento, e inóculo novo pode ser produzido continuamente. No entanto, a menos que o produto armazenado seja manipulado a ponto de dispersar o inóculo e criar novos sítios de infecção por meio de pequenas feridas, não existem novos ciclos de infecção. Note-se que o agente patogénico não é inerentemente monocíclico, mas é limitado, pelo ambiente, a produzir apenas um único ciclo de infecção. Em outros ambientes, esses mesmos patógenos podem produzir epidemias policíclicas.

Fusarium root rot of bean
Fusariose do feijoeiro (podridão radicular)


Doenças causados por patógenos oriundos do solo

Muitas das podridões radiculares, murchas vasculares, e outras doenças causadas por fitopatógenos oriundos do solo também produzem apenas um ciclo de infecção por ciclo da cultura. O inóculo é geralmente algum tipo de estrutura de sobrevivência resistente à dessecação ou congelamento, tais como escleródios, clamidosporos, ou oósporos no solo, micélio em restos culturais. Esse inóculo é disperso no solo pelo preparo mecanizado da terra e incorporação dos resíduos das culturas. À medida que as raízes da cultura recém-plantada crescem através do solo, elas encontram os propágulos do patógeno e são infectadas. A epidemia progride com a ocorrência das novas infecções, mas uma vez que o inóculo novo produzido não é disperso até que o solo seja mais uma vez cultivado, há apenas um ciclo de infecção por ciclo da cultura. É certo que nem todos os fitopatógenos presentes no solo produzem epidemias monocíclicas, e é preciso ter muito cuidado em entender o ciclo de vida de cada patógeno antes de tirar conclusões sobre a sua epidemiologia.


Ferrugens demicíclicas

Algumas ferrugens não produzem urediniósporos, e o inóculo produzido em uma espécie de hospedeiro geralmente precisa infectar uma espécie diferente. Essa alternância parece ter evoluído em adaptação aos ciclos anuais de crescimento dos hospedeiros, e vemos em cada ano um ciclo de infecção em cada hospedeiro. Um exemplo é a ferrugem do cedro-macieira, onde todo o inóculo que infecta maçãs vem de galhas em cedros vermelhos (junipers), e todo o inóculo do que infecta os cedros vermelhos vem das folhas e frutos da maçã. A epidemia em maçãs ocorre durante um período de quatro a seis semanas de produção de basidiósporos na primavera. Uma segunda epidemia monocíclica em cedros vermelhos ocorre durante um breve período de produção de eciosporos no final do verão.

Rust gall on cedar
Ferrugem do Cedro-Macieira
Cedar-apple rust


Epidemias Policíclicas


Requeima (míldio, pt) da batata  

Para que uma epidemia possa ser considerada policíclica, devem existir repetidos ciclos completos de infecção, isto é, infecção seguida de desenvolvimento do patógeno, produção de novo inóculo, dispersão para novos sítios suscetíveis, e novas infecções, tudo num único ciclo cultural. Um bom exemplo é a requeima (o míldio, pt) da batata, em que um único ciclo de infecção, desenvolvimento de lesões, esporulação, dispersão de esporângio e nova infecção pode ocorrer em menos de cinco dias, e muitos ciclos sobrepostos ocorrem simultaneamente durante períodos de tempo favorável.



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Late Blight
Ciclo da requeima  (mildio, pt)

Cada ciclo pode produzir um aumento de mais de dez vezes no número de esporos que alcançam sítios suscetíveis, e o resultado é uma epidemia explosiva. Ferrugens de cereais comportam-se similarmente; um único urediniósporo pode infectar e produzir uma pústula a partir da qual centenas de novos urediniósporos podem ser liberados para infectar e produzir centenas de novas pústulas repetidamente ao longo da estação. A maioria das doenças de plantas causadas por bactérias são policíclicas, e muitos fitovírus, com o auxílio de insetos vetores, também podem produzir ciclos repetidos de infecção em uma estação.

Combinações de Epidemias Monocíclicas e Policíclicas

Nem toda epidemia de doença de plantas é claramente de monocíclicos ou policíclicos. Epidemias produzidas por fungos com duas fases de esporos podem ter ambos os elementos, por vezes, em fases distintas, e, por vezes, ocorrendo simultaneamente. Por exemplo, o fungo Venturia inaequalis, agente causal da sarna (pedrado, pt) da macieira, produz ascósporos sobre as folhas mortas infectadas que restaram do inverno da estação anterior. Esses ascósporos são liberados durante um período de seis a oito semanas na primavera e infectam as folhas recém expandidas da macieira. Uma vez que nenhum novo ascósporo é produzido até à primavera seguinte, esse componente da epidemia pode ser considerado monocíclico. No entanto, cada uma das lesões foliares produz em cerca de 10 dias um segundo tipo de esporo (conídios), que também pode infectar folhas recém expandidas. Assim, a partir da primeira parte da estação, uma epidemia policíclica é sobreposta a uma epidemia monocíclica. Uma vez que as lesões produzidas pelo conídios não podem ser distinguidas daquelas produzidas por ascósporos, o efeito líquido parece ser o de uma epidemia policíclica de rápido crescimento.

Apple scab disease cycle
Ciclo da sarna (pedrado, pt) da macieira


Uma epidemia de mancha amarela do trigo (Helmintosporiose do trigo, pt), causada por Pyrenophora tritici-repentis, também compreende tanto elementos policíclicos quanto monocíclicos. O inóculo inicial vem de sementes infectadas, e a epidemia começa assim que essas sementes germinam para produzir plântulas já com lesões foliares. Os conídios são disseminados pelo vento e respingos de chuva em ciclos repetidos de infecção foliar durante todo o período de desenvolvimento da cultura (a fase policíclica). Quando começa o florescimento, o inóculo para a segunda fase da epidemia já se formou nas folhas da parte superior da planta, principalmente a folha bandeira. Por um período relativamente breve as flores e grãos em desenvolvimento são susceptíveis à infecção pelo inóculo existente durante a floração, e as lesões nas glumas dos grãos em desenvolvimento não produzem inóculo capaz de infectar mais grãos. A infecção das sementes, portanto, é um fenômeno monocíclico. São essas sementes infectadas que fornecem um dos principais meios de disseminação do patógeno de um campo para outro e o inóculo inicial para o novo cultivo.

Tan spot disease cycle
(Cortesia de Annemiek C. Schilder)
Ciclo da mancha amarela (Helmintosporiose, pt) do trigo


 

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